quarta-feira, 12 de maio de 2010

Memória Educativa...


Parece-me contraditório afirmar que somente quando ensinamos, temos a chance de aprender de verdade. Contraditório sim, mas consiste na mais perfeita realidade.
Para se compreender a afirmação a cima, faz-se necessário viajar de volta ao passado, percorrer um longo caminho de lutas, conquistas e descobertas; Retroceder em vinte anos passados e refazer o caminho que me trouxe aqui.

Meados de 1987. Entre cinco e seis anos de idade tive o meu primeiro contato com o mundo lúdico do Ensino Infantil. Infelizmente hoje inexistente, outrora foi o ambiente acolhedor onde me despertou o gosto pela leitura, e iniciou-me no “caminho das artes”. Quando cito caminho das artes, refiro-me a características e sensações compatíveis ao universo infantil, como trabalhos manuais, pinturas, reciclagens, colagens e tudo aquilo que é pertinente ao desenvolvimento infantil, já despertando uma certa consciência ecológica e um gosto característico por tudo aquilo que exercita a criatividade, em todas as suas possibilidades.
Recordo-me daquele tempo _ porque não dizer “mágico”, e daquele lugar que adorava, com todos aqueles lances enormes de escada para correr e enlouquecer os educadores... Daquelas histórias todas encantadoras, que me possibilitavam fazer parte delas... Daquelas rodas de ‘contação’ de histórias, onde éramos levados a criar também. Tudo era permitido; a imaginação não tinha limites. E não é demagogia: Sou grata a todos os educadores e recreadores da época, (muitos nem estão mais entre nós), por contribuírem no despertar do meu lado criativo. Se é mesmo verdade que os anos iniciais são fundamentais no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança, então posso afirmar categoricamente que fui felizarda em encontrar pelo caminho pessoas tão comprometidas com a educação, o que para aquela época, pode-se dizer que não era algo muito comum em algumas instituições.
Comparo a educação que meu filho vem tendo hoje, com a mesma idade que eu tinha naquela época. Só queria que à ele e a outras crianças da mesma idade, fosse incentivado um pouco mais o lado criativo, que elas pudessem dar mais asas à imaginação. Não vejo um retrocesso, mas talvez, uma certa estagnação na mesmice.
Concluído então o ensino infantil, veio o ingresso no que chamávamos de primário, que se deu no ano de 1989, hoje o atual Ensino Básico (1ª a 4ª série).
Não me recordo se este processo de transição foi traumático, mas me recordo perfeitamente da primeira professora do primário. Era tão meiga e paciente, que me parecia impossível tirá-la do sério. No ensino infantil aprendi a desenvolver o lado lúdico; no primário dei os primeiros passos no mundo da escrita e me vi fascinada com a oportunidade de poder colocar no papel as idéias que tinha na mente.
Neste período também pude contar com pessoas excelentes _
Professoras, mulheres, mães – que me fizeram admirá-las profundamente e querer o oficio delas para mim. O primeiro sonho de toda menina é ser professora, e como tal não fugi a regra. Sonhava com o dia em que teria meus próprios alunos!
O encanto se desfez, quando na quarta série me deparei com uma professora, com métodos um tanto quanto duvidosos e questionáveis, (e, diga-se de passagem: com o total aval da escola). A referida professora tinha o triste hábito de colocar alunos mal comportados de castigo no canto da sala com a carteira na cabeça, ou no pátio da escola, em pé, sob sol forte... (não sei se estes métodos humilhantes surtiram efeitos positivos na vida de algum colega da época, mas com certeza ela se tornou inesquecível na vida de muita gente, não pelo seu lado mais encantador, é claro).
Na época, me parecia comum que certas professoras utilizassem de tais métodos para “educar”. Muitos pais não se pronunciavam a respeito por acharem que fazia parte do processo, ou talvez por simplesmente desconhecerem tais “metodologias” absurdas. Quem não queria “aprender” através do método peculiar da professora _ (e ela não era a única), tinha que esforçar-se para não ser o pior da turma. Muita falta fizeram as teorias de Paulo Freire, Jean Piaget, Vigotski e outros pensadores – educadores na vida das distintas professoras. Felizmente, muito presente na formação dos professores da era contemporânea.
Mas esses foram apenas os passos iniciais rumo a uma longa jornada. E até então não imaginava quão cansativa seria, mas extremamente necessária e hoje, tão recompensadora.
Sob uma nova perspectiva, mas com uma visão critica ainda por ser desenvolvida, ingressei no antigo ginásio, o que é hoje o Ensino Fundamental. Era o ano de 1994, o que considero o mais significativo para a construção da minha personalidade. 94 foi um ano de muitas mudanças. E não me refiro apenas a mudança de ambiente, de turma, de desenvolvimento físico, mas de crescimento interno principalmente.
Tudo ia bem, as amizades firmadas, a confiança nos professores... Até que no meio do ano de 1996, uma greve sem precedentes se abateu sob as escolas da rede municipal, e meus pais não tiveram outra opção se não a de me transferir para uma outra escola, da rede estadual, distante da minha casa, o que se configurou em um grande transtorno na minha vida. Chegar a uma escola nova, em um ambiente desconhecido, fazer parte de uma turma que não era a minha, e ainda por cima no meio do ano! Qualquer adolescente de 14 anos se sentiria desorientado. Foi ai que desenvolvi a síndrome do patinho feio, (felizmente ela só dura até serem firmadas grandes e eternas amizades!).
Até então, havia sempre estudado em escolas no mesmo bairro em que residia; escolas próximas a minha casa. Nunca havia saído da minha “zona de conforto”. Mas para minha surpresa, o que antes se configurava em um grande transtorno, aqueles vieram a ser os melhores anos da minha vida. Só mais tarde eu entenderia. A adaptação ao novo ambiente veio naturalmente. Senti um gosto maior de liberdade. E as experiências advindas desse novo processo, só vieram a me acrescentar, como estudante e como ser humano em processo de evolução.
As pessoas eram diferentes, o ambiente, as idéias, era tudo novo. Foi ai que passei a me identificar como indivíduo integrante de um grupo, onde opiniões divergiam, mas que isso era necessário para a construção do pensamento critico e do ‘eu’ interior. E me vi então crescer em dois anos, o que não havia crescido nos anos anteriores.
As notas com certeza não eram as melhores da turma em determinadas disciplinas, (tive muitas aulas particulares de matemática ao longo da vida) mas jamais nenhum professor pode ter me culpado por não ter tentado.
Aqueles dois anos que mudaram minha vida culminaram com uma grande festa de formatura, que nós mesmos organizamos e tratamos de aproveitar. Foi ai também que pela primeira vez experimentei as peripécias do álcool e beijei aquele carinha que me paquerava insistentemente... Mas... Essa é uma outra história, e não cabe nesse contexto.
As lembranças que tenho dessa época jamais serão esquecidas. Sabe aquela professora, pequena na estatura, mas enorme em generosidade, que te ensina que interpretar textos é muito mais que só copiar conceitos prontos... É buscar dentro de você as respostas... É se fazer parte do contexto... (sempre quis ser como ela). Sabe aquela outra, de fala mansa, que faz você amar o que está fazendo e ainda assim querer aprender sempre mais, (ainda existe um pouco dela em mim). E aquele professor que te faz odiar a matemática ou a geografia... (tive sérios problemas com um professor de geografia), mas esses me fizeram compreender que nem tudo pode ser como nós queremos, mas que para todos os problemas existe solução, e que elas nunca devem ser procuradas muito longe, porque a resposta sempre está dentro de nós.
Passado algum tempo, a trilha chega ao meio e me leva para um mundo novo. 1998 é o ano e o Ensino Médio, já com a atual nomenclatura é o destino. Quantas possibilidades! Tudo acontecendo ao mesmo tempo. A vida, o mundo, as tecnologias _ tudo em transformação continua e acelerada. Globalização era a bola da vez. Compreender o que se passava no mundo era fundamental.
A escola onde estudei, conceituada e respeitada pela sociedade, por ser a única de ensino médio no município, me abriu as portas para o mundo tecnológico e a curiosidade pela informática foi explorada. Já tinha autonomia, e exigia de mim, tanto quanto exigia de meus professores. Já não éramos mais adolescentes em busca de auto-afirmação, éramos adultos em processo de formação. As opiniões próprias nos levavam a onde queríamos e ninguém mais poderia nos ensinar como pensar, pois já éramos agentes de um processo de transformação. Tudo era questão de acordo, assimilação e reflexão.
Meu maior progresso se deu nesta fase. Não posso negar que me destacava tanto no falar, como no escrever, mas tudo isso era uma espécie de fórmula que encontrei para maquiar certa timidez, por esse motivo me empenhei a desenvolver tais habilidades. Porém, nunca fui egoísta, sempre gostei de ajudar meus amigos, principalmente os que tinham problemas com a gramática durante o processo de construção de alguns trabalhos. Isso me engrandecia, pois enquanto ensinava, consequentemente aprendia.
A relação educacional não se resumia mais ao dueto professor/aluno. Tudo era uma constante troca. Alguns laços de amizade que se formaram nesse período são indissolúveis. Existem pessoas que ficam para sempre, mesmo que fisicamente não estejam mais presentes.
Eu me preparava para continuar o legado de minha mãe. Professora a mais de vinte anos. O Magistério parecia ser minha sina. Também sempre fizeram questão de me alertar que esse era o único mercado disponível em nosso município, e essa realidade parece nunca ter mudado.
Com as Didáticas Aplicadas, os planos de Aula e os Estágios Supervisionados, acreditei realmente que aquele poderia ser o meu dom.
Três anos se passaram e veio a formatura. Não fui oradora, mas me lembro de ter sido responsável pela mensagem de agradecimento aos entes queridos.
Tudo parece ter acabado muito rápido, amizades, amores, ilusões, decepções, passeios, idas à praia com toda a turma... O processo de aprendizagem não se dava somente dentro da sala de aula; nossa interação era responsável pelo prazer de nos encontrarmos todas as manhãs de todos os dias, durante três anos.
O tempo foi passando e o mercado era muito limitado. Ensino Médio somente não era requisito para contratações. Até que quatro anos após a formatura veio a proposta do primeiro emprego.
Deparei-me com a oportunidade de poder atuar como educadora em um programa socioeducacional, chamado AABB Comunidade, que atendia crianças carentes do município, e com problemas na aprendizagem escolar.
Ao entrar em sala de aula pela primeira vez como docente, e por lá permanecer por apenas dois anos e meio, percebi a falta que fazem esses grandes mestres que passaram pela minha vida e como a falta de comprometimento podem afetar uma vida inteira. Comprometimento da família, dos professores, e principalmente de si mesmos. Comprometimento com o futuro. Não falo de falta de oportunidade, pois nem se quer possuímos escolas particulares, o ensino aqui é público para todos, pobres ou ricos. Ninguém nos força a crescer. Esse processo vem de dentro para fora, precisamos às vezes apenas de uma orientação. Felizmente tive uma família que sempre fez de tudo pela minha educação. Filha de professora e de policial, eles sempre quiseram me dar o que não puderam ter. Infelizmente nem todos os pais pensam assim.
A convivência com essas crianças me tornou mais humana, mais solidária. Só então percebi que não sabia nada. Elas me ensinaram que eu precisava aprender à ensinar, pois cada uma delas tinha certa defasagem que necessitava de tempo e atenção. A minha musica precisava tocar no ritmo delas e não o contrario.
Durante o período em que lecionei, talvez muito pouco tenha ensinado de verdade, o maior legado que trago comigo é o carinho sincero dessas crianças, pelo simples fato de ter-lhes dado um pouco de atenção. E isso não morre jamais.
Apesar de gostar do que fazia a remuneração não era suficiente, e eu precisava alçar novos vôos. Para isto vinha me preparando. Enquanto trabalhava à tarde, a noite fazia um curso preparatório para vestibular (e mais uma vez me deparei com o fantasma da matemática, da física e da química, verdadeiros monstros na minha vida!). Ironicamente tentei Economia, mas apenas por ser o único curso oferecido naquele momento, e é claro: não passei. Mas no mesmo ano fui aprovada em concurso público, para o cargo de Técnico em Gestão Pública que ocupo há mais de dois anos.
Tudo que vivi e aprendi em meus anos como estudante serviram para abrir meus caminhos até aqui.
Ensino fundamental, médio e hoje superior, todos eles, me ensinaram a construir o que sou hoje. E não falo apenas de conhecimentos teóricos ou de atributos intelectuais, mas de persistência, falo de esperança, de dignidade, de força de vontade, de crescimento, de maturação, de respeito ao próximo, de solidariedade... Falo de sentimentos, ‘de gente’, de pessoas que passaram pela minha vida e me marcaram de tal forma, que seus nomes estarão gravados para sempre no livro de minhas memórias.
Desenvolver o raciocínio lógico, a reflexão, podem parecer clichês. Talvez. Mas de tudo que tenho e sou, meu maior orgulho é ser uma cidadã consciente e um ser humano critico. Felizmente sempre tive a honra de contar com alguns grandes mestres que me ajudaram a desenvolver tais características.
Hoje, quem diria! Realizo meu grande sonho de cursar uma faculdade, no mesmo lugar onde dei meus primeiros passos no mundo da aprendizagem. No lugar em que a vinte e poucos anos atrás era o Centro Social Urbano, onde cursei o Ensino Infantil, hoje é o Pólo da UAB, onde tenho a honra de me formar no Curso de Licenciatura em Artes Visuais.

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