sexta-feira, 9 de julho de 2010

Comentário sobre a montagem da peça A gaivota de Tchecov


A peça A gaivota de Tchecov é de uma complexidade impar. Ora é sentimental, ora espiritual, ora apática, mas não por acaso, pois Tchecov compôs este trabalho com a intenção de representar o cotidiano, a trivialidade do dia-a-dia, passando por todos os estágios dos sentimentos humanos.
A princípio a peça é de uma essência extremamente naturalista. A entrada e saída dos personagens em cada cena são marcadas por uma infinidade de associações, mas devido a poucas ações desenvolvidas em cena, a peça torna-se pouco atrativa e de uma linguagem dotada de uma simbologia de difícil interpretação pelo público.
Por este e por tantos outros motivos a peça A gaivota teria todos os requisitos para se tornar um fracasso total, não fosse à interferência de Stanislavski na estrutura da mesma. Stanislavski e Tchecov divergiram bastante quanto à direção que a peça deveria tomar. Ambos partiam de pontos de vistas diferentes. Tchecov costumava mesclar monólogos e pouca coerência entre os assuntos, Stanislavski preferia incorporar mais dinâmica e maior interação e intimidade entre os personagens. Assim como investir no potencial de voz, de postura corporal, no uso adequado das palavras, dos gestos e nas ações dos personagens.
As dificuldades em se compreender a obra eram oriundas de muitos aspectos. Tchecov tinha uma mente brilhante e escrevia muito bem sobre os aspectos do espírito humano, mas talvez não tivesse a mesma veia interpretativa que possuía Stanislavski. Ao que parece, o trabalho produzido só faria sentido se Tchecov com seu método artístico-literário, de escritor e Stanislavski com seu método representativo próprio de sua especialidade artística focassem nesse tesouro espiritual que se ocultava em suas obras.
O que aconteceu foi uma mudança na estrutura da peça. Mudanças que Stanislavski considerava cruciais para a aceitação e aprovação do público.
A peça A gaivota estimula múltiplas leituras. De gênero, de concepção, percepção, etc., como também nos apresenta uma diversidade de conceitos que devem existir para que uma peça atraia os olhares e o gosto do público.
Quando um texto apresenta tanta complexidade, subsidiado por tantos conceitos diferentes, a melhor abordagem é mesmo esmiúça-lo a fundo. Não apenas ler com os olhos, mas ler com o coração, com a alma, exatamente como o fez Stanislavski que conseguiu abstrair o melhor do que Tchecov oferecia. Trabalhar em cima da significação de cada palavra, explorá-la, identificá-la, recombiná-la, em fim, interpretá-la de tantas formas quanto possíveis até que se tenha encontrado a forma perfeita.
Outra ótima estratégia para compreender textos tão complexos é partir da identificação dos símbolos que permeiam a obra. Do que fala o autor? Quais signos ele utiliza? Até que ponto isso me motiva? Como posso usar isso ao meu favor? No que ele me acrescenta? E o que posso acrescentar a ele? São questionamentos que nos ajudam a captar pequenos fragmentos contidos num texto e que vão nos ajudando a decifrar suas peculiaridades.
Todas estas estratégias utilizadas para melhor compreender o texto também servem de estímulos para o processo criativo do ator, pois à medida que interage com o texto, ele desenvolve a imaginação, a sensibilidade e vai captando a espiritualidade contida no texto e que deve ser captada pelo espectador. Neste processo criativo o ator deve desenvolver a autocrítica e estar consciente de que suas ações dentro da dramaturgia, tanto vão incitar reflexões, quanto sentimentos, para tanto o ator deve estar verdadeiramente sentindo o que está representando, pois uma boa atuação não depende apenas de compreender ou não o que se está dizendo, mas em transmitir verdade e sensibilidade.

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